Crônica do Morrro Pelado: a lei do Curupira

Crônica do Morro Pelado: a lei do Curupira

A família chegou com mudança e tudo, vindo de Campinas. Instalou-se no bairro do Pelado, ao pé do Morro Pelado. Mãe e dois filhos; um trabalhador; o outro, de menor, vagabundo que só, dado às drogas e roubo. Esse é o motivo de terem de sair de Campinas, fugidos. Chegaram e se instalaram na casinha humilde do avô, aposentado. E esta crônica começa aqui, com a história do menor tomando conta e infestando tudo.

Foi só chegar que a vida do avô vira num inferno, o mesmo modo para o povo local. Era roubo de tudo que se possa pensar, um intenso aviltamento nos direitos de qualquer cidadão. Era roubo de bicicleta, rádio, TV, dinheiro, assalto às lojas, posto de gasolina, igrejas. Dava medo. Entrou em quase todas as casas da redondeza. Era canalha, vagabundo, escolado nas leis ou nas brechas da lei. Quando pego, já ia dizendo: “Não encoste em mim, tenho meus direitos.” A mãe assinava o B.O., e o garotão de 17 anos, forte saía pela porta que entrou: a da frente. E zombava: “Até amanhã, seu delegado!”. 20 ocorrências só nestes lados de Monte Sião.

Mas o mundo destes lados de muito mato não é só feito de leis do Governo e de homens das leis: (obedientes e cegos a qualquer preço de Real) Um dia, era mês de agosto, e o vagabundo do Noinha; seu nome, entrou na casa do seu Carmelito, homem dos seus 75 anos, bom, trabalhador, honrado, justo com tudo. O vagabundo acorrentou o casal, roubou tudo que podia, humilhou o casal de velhinhos, jogou álcool, riscou fósforo, matou o cachorro que tava latindo muito.

A casa ficava bem beira do Morro Pelado, mato fechado das grotas… Ah, foi o que bastou. Quando o vagabundo correu pro mato pra se esconder, VEIO A LEI DO MATO. Um curupira vem desembestado (ele mesmo contando assim), vermelhão, montado num cateto, seguido de outros tantos, perseguiram o rapaz, e a mata se transformou num cerco, gritos, rosnares… socorrooo!… Foi que o ente das matas pulou sobre o rapaz com sua força descomunal, socou, mordeu, arrancou os cabelos, arremessou-o contra as árvores, fez um furo com o dedo em seu peito, enfiou o longo indicador em sua bunda “mas que fedô, sô!”, arreganhou o vagabundo. Um cateto mordeu seu umbigo, e mais as partes de baixo. O sarará do Noinha ficou inteirinho lanhado e roxo, sem cabelo, olhão esbranquiçado e arregalado.

Com o barulhão, povo chegou, delegado veio, e todos viram o vagabundo ali no chão, pelado, sangrando muito, tremendo, gemendo dor. Dó ninguém teve. Nem podia falar, balbuciava coisas de que tinha seu direito por lei, era menor de 18 anos. Daí o delegado perguntou: “Tá bom, moço, mas quem fez isso?” (Mas o delegado já sabia desses modos do mato) “Um homem muito mau, parecendo o capeta, cor de bronze, cabelão vermelhão, seu delegado, veio montado num porco preto, fedido que nem ele.” “Ih, rapaz, tem de reclamar com as leis do mato, isso tudo é ente do mato, que aparece e desaparece, ninguém vê direito. Agora trate de melhorar, que ele volta e baixa sua lei no lombo novamente, viu, mizifiu!”

E não é que o rapaz melhorou dos seus modos canalhas dos homens, e muito. Dos ferimentos e quebraduras levou um ano para se recompor. Nem defecar direito podia!

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